EMERGÊNCIA MÉDICA A BORDO: QUAIS AS OBRIGAÇÕES DO MÉDICO A BORDO DE UMA AERONAVE?
- Bruno Carvalho
- 9 de out. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 3 de jan. de 2022
Você, médico, está em um avião comercial, em passeio para curtir suas merecidas férias, quando percebe outro passageiro se sentindo mal e então escuta o seguinte chamado: "Emergência: Se houver algum médico no avião favor se identificar."
E aí? O que fazer? Você é obrigado a se identificar? Deve atuar para atender a emergência? Quais seus direitos e responsabilidades/obrigações neste caso?
Vamos tentar esclarecer alguns pontos a esse respeito.
Conforme conceito adotado pelo próprio CFM (Conselho Federal de Medicina), emergência médica a bordo é aquela cuja ocorrência precisa de assistência da tripulação de voo, e pode ou não envolver equipamento médico ou drogas e a solicitação de profissional médico viajando como passageiro no voo.
Caso solicitado, o médico que está a bordo da Aeronave tem o dever ético e a obrigação legal de atender ao chamado.
Logo no Capítulo I do Código de Ética Médica de 2009 (atual), que traz os princípios fundamentais, dispões em seu inciso VII que "o médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente".
Já no capítulo III, em seu artigo 7º, o mesmo Código de Ética Médica dispõe que é vedado ao médico "deixar de atender em setores de urgência e emergência, quando for de sua obrigação fazê-lo, expondo a risco a vida de pacientes, mesmo respaldado por decisão majoritária da categoria".
O novo Código de Ética Médica (2018), que entra em vigor em maio de 2019, também dispões da mesma forma.
Nesse sentido, a falta de atendimento médico a bordo pode sim configurar infração ética. Ainda, pode também caracterizar ilícito penal (crime de omissão de socorro). Dispõe o artigo 135 do Código Penal:
Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.
Aliás, a omissão de socorro também está expressamente prevista no Capítulo V, artigo 33 do Código de Ética Médica, quando estabelece a relação do médico com pacientes e familiares:
É vedado ao médico:
Art. 33. Deixar de atender paciente que procure seus cuidados profissionais em casos de urgência ou emergência, quando não haja outro médico ou serviço médico em condições de fazê-lo.
Assim, se o atendimento médico não oferece risco pessoal, o profissional médico deve prestar toda a assistência que tiver ao seu alcance.
O Conselho Federal de Medicina já se posicionou a esse respeito, com parecer importante emitido ainda em 1997, sendo publicada a seguinte ementa:
EMENTA: O médico, quando chamado a prestar assistência a bordo de aeronaves, tem o dever ético e a obrigação legal de fazê-lo, cabendo a princípio cobrar ao paciente o atendimento realizado. (PROCESSO-CONSULTA CFM nº 5.353/96. PC/CFM/Nº 20/97. Relator Cons. Sérgio Ibiapina Ferreira Costa. Aprovado em sessão plenária em 11/06/1997).
O Conselho Federal de Medicina lançou, em 12/03/2018, a cartilha "Medicina aeroespacial: orientações gerais para médicos a bordo". O guia traz informações sobre como agir em situações de emergência médica, especialmente pelo fato de estarem em um ambiente incomum, onde as condições de temperatura e pressão são diferentes e o espaço físico é limitado. A leitura da citada cartilha é de extrema importância, sobretudo porque, mesmo atuando como voluntário e em situação de emergência, o médico pode ser chamado a responder por eventual falha no atendimento, sempre levando em consideração as peculiaridades da situação.
E quanto aos honorários médicos? O médico que atende emergência médica a bordo tem o direito de receber pelo atendimento?
Entendo que o médico não tem obrigação de trabalhar gratuitamente. Todavia, as empresas aéreas também não têm o dever legal de prestar serviços médicos a bordo. Para as companhias, o médico é tratado como um voluntário e as empresas reiteram que não têm qualquer responsabilidade, seja pelo pagamento do médico, seja pelo tratamento oferecido.
Nesse sentido, a responsabilidade pelo pagamento dos serviços do médico é sempre do passageiro que sofreu o atendimento e cabe ao médico valorar os seus serviços, e apresentar a cobrança que entende como devida.
Em resumo, em situações de urgência ou emergência a bordo, quando chamado, o médico tem o dever ético e obrigação legal de prestar a assistência que estiver ao seu alcance. O recomendado é que o médico se identifique para a tripulação e passe todas as informações que achar importantes. Caso tenha ingerido álcool e/ou não esteja capacitado para prestar a assistência (ainda que por outro motivo), é importante que deixe claro para o paciente e para a tripulação. Inclusive, caso haja mais de um profissional da saúde a bordo, deve prestar atendimento aquele que estiver mais familiarizado com a ocorrência (inclusive mais compatível com sua especialidade médica). Ainda, o médico deve funcionar como um consultor do comandante da aeronave, até mesmo sugerindo um pouso fora da rota quando for necessário (mas esta decisão é exclusiva do comandante da aeronave).
Por fim, é direito do médico receber todos os registros do atendimento, inclusive as solicitações feitas à tripulação e ao comandante. Este registro inclusive deve estar assinado pelo comandante para que o médico, em caso de necessidade, possa fazer prova de todo o ocorrido.
Bom, este post, por óbvio, não tem a intenção de esgotar a matéria, mas apenas esclarecer algumas dúvidas pontuais e comuns do profissional médico.
Se tiver alguma dúvida, favor deixar nos comentários que terei o prazer em respondê-la sempre que possível.
Grande abraço.
Cartilha - Medicina aeroespacial: orientações gerais para médicos a bordo:
Parecer CFM - PROCESSO-CONSULTA CFM nº 5.353/96. PC/CFM/Nº 20/97:
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